quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cicatrizes, texto de Daisy Viola

Cicatrizes visíveis foi o ponto de partida.

Marcas deixadas por ferimentos, cirurgias, queimaduras, filhos, sol. Registros de vida com os quais nosso corpo tem que aprender a conviver. E nós também. Podemos optar pelo disfarce, ou ainda, tecnologias mirabolantes que eliminam com algum toque de magia, estes “defeitos” que recebemos de presente da vida. Bem, existem aqueles que provocam suas marcas para marcar sua presença, e assim, se destacar num universo de todos muito iguais. Aqui encontraremos tatuagens, e outras formas de cicatrizes “fabricadas” para que o corpo se transforme numa espécie de página a ser lida: olhe, eu estou aqui e sou diferente de você e dos outros.

A partir desta idéia proposta para um grupo de alunos-artistas no Atelier Livre de Porto Alegre, Rosane começa a pensar nas marcas deixadas pela passagem do tempo sobre a pele, ou melhor, sobre as peles, porque o trabalho começa a se desenvolver sobre a pele que envolve a superfície de tudo. Então encontraremos flores,frutos e folhas que são recolhidas e guardadas com ar, num processo de secagem que transforma sua aparência,cor e texturas,ou, dentro de vidros fechados, sem ar, onde acompanhamos um apodrecimento natural que modifica a aparência e a nossa relação com este elemento, que de um prazer contemplativo com aquele belo pêssego,por exemplo,passamos a diversos tipos de repulsa e curiosidade de como será amanhã.Esta pergunta nos remete imediatamente ao espelho,que por mais que tentemos,insiste em não nos responder.

Aqui, Rosane entra pelo espelho, e, com coragem, usa suas fotos, espécie de pele de sua memória que nos conta sua vida. Resgatando tecidos, linhas e bastidores que carregam marcas da sua história e das mulheres que a rodeiam, ou fizeram parte do seu mundo.

Falando em mulheres pensamos em vestidos. Rosane também. Aqui, surgem vestidos cortados em círculo, dobrados, mas não costurados. Para que?São vestidos inteiros, que quando usados, são modelados com seguranças, que podem mudar de lugar quando quisermos ou o corpo seguinte exigir.

Vestidos brancos, simbólica e puramente brancos. Não por muito tempo, pois ali serão depositadas histórias, estórias, idéias de vidas que sentem a passagem do tempo e ali registram suas marcas ou impressões do tempo que passou. Sonhos também valem.

Detalhe final e importante: os vestidos são de cetim. Tecido que, quando toca a pele provoca imenso prazer, sem se importar com quanto tempo se passou.



Daisy Viola

Artista plástica, instrutora de arte, diretora do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre